segunda-feira, 4 de abril de 2011

Melhor com você




Melhor com você

A primeira vez que a viu foi na fila do ponto de ônibus. Seus olhos seguiam duas abelhas que pareciam namorar despreocupadas dando voltas no ar e leves foram pousar perto do carrinho de pipoca doce com aquele caramelo vermelho que dão o aroma da horário de pico do retorno para casa. Ao levantar os olhos que acompanhavam os dois insetos deu exatamente de cara com uma bela flor, única, elegante, perfumada com o sorriso mais meigo e gracioso que um ser poderia ter. Achou-a encantadora desde então. Voltou-se para frente, mas vez em quando girava o pescoço procurando os seus olhos. Ela, no entanto, o máximo que fazia era olhar para dentro do ônibus para ver se sobrava algum lugar vago onde poderia descansar um pouco. Ele contentara-se a curtir apenas naquele momento a musa que assim como aparecera, sumiria logo mais, rumo um destino qualquer.
No dia seguinte, sem saber ao certo porque, se reteve no momento do embarque. Não admitia, mas acreditava revê-la uma vez mais. Esperou dois carros partirem e nada. Convencido e desiludido subiu no ônibus já lotado.
Três dias minguaram. Saindo da estação, correu para não perder a condução que já partia. Conseguiu entrar, estava lotada. Mal teve espaço para retirar a carteira do bolso e pagar a passagem. Ao retorná-la deixou que caísse. Abaixou-se para pegá-la e sentiu que tinha encostado em alguém. Virou-se para pedir perdão e ao dar face a face com a bela flor perfumada de outro dia, ficou sem reação. Esboçou algumas palavras – nenhuma compreensível.
Tentou voltar para si, mas começou a suar frio. Descobrira afinal que sua flor pegava  o ônibus sempre um pouco antes dele e que naquele dia ela deveria estar atrasada, por isso o olhar vago e a ansiedade do dia anterior. Sentiu alguém tocar-lhe levemente o braço. Era ela:
- Quer que eu leve a tua mochila, parece pesada.
- É, eh, bem, é que... (“anda fala logo alguma coisa”). Precisa não, mas se não for incomodar.
- Imagina!
Passou a sair correndo do trabalho apenas para encontrá-la. Às vezes chegava antes. Ou lhe oferecia o lugar ou levava seus pertences. Afeiçoaram-se e pegaram certa amizade de quem volta pra casa no mesmo horário e ônibus. Ele, contudo, nunca tinha coragem de mencionar porque se aproximara dela.
- Amanhã é o meu último dia. Tá muito puxado. Quero fazer cursinho, estudar, curtir a faculdade!!!
Seu mundo acabou por alguns instantes naquele momento. Como assim, último dia? E ele, como ficaria? Não, ela não podia fazer isso. Faculdade? Pra quê? Ele cuidaria de tudo. Retornou à consciência. Já fizera seu curso e tinha ingressado na carreira há pouco tempo. Ela também tinha este direito. Sentira-se egoísta afinal. Atende o celular, era o Antônio.
- O quê? Festa? Festa não, Sarau? Certo, onde? No centro? Tudo bem - vou sim. Que sarau merda nenh...
- Sarau que ótimo, sempre quis ir a um. “Salve Antônio”.
- Sério, ta brincando. Vai ser lá no Centro da cidade, no diretório acadêmico da faculdade. Vamos dar um pulo?
- Ok, te encontro onde?
- Onde você mora?
Descobriu depois de alguns meses que sua flor habitava um orquidário próximo ao teu roseiral. Ele sempre descia antes do seu ponto.
Chegando ao Sarau encontraram seis pessoas. Dois bêbados dormindo. Uma garota que cantava algo diferente do que tocava o violão. O cara do violão. O Antonio e uma amiga dele de curso (ou algo assim).
- Fala Tom, na boa?
- Chega mais, toma uma?
Ofereceu-lhe uma, tomaram três.
- Desculpa, pensei que seria mais interessante.
- Relaxa, mas eu pensava que além de violão, Sarau tinha também poesia, recital, performance e tal.
- Verdade. Quer ir embora? (tanta coisa pra dizer e só isso lhe vinha à cabeça, covarde).
- Não sei, a noite está tão gostosa.
- Conheço um bar legal perto daqui. Topa? Mas teremos que voltar andando pra casa, acho que não vai ter mais busão.
- Adoro andar a noite.
O bar estava lotado. Conseguiram dividir um cantinho apertado da mesa com um casal meio estranho e simpático. Em dois minutos deixaram de lhes dar atenção. Fazendo seu papel chamou o garçom e pediu que limpasse a mesa. Ele nem deu bola.
- Só não arrumo confusão porque não sei ao certo com qual deles eu falei. - Só havia dois, o “outro” era mulher.
Conversaram bastante, beberam, comeram, beberam, mais conversa. Finalmente conheciam-se melhor. E ele cada vez mais encantado. Tocou-lhe as pontos dos dedos. Ela não recuou. Apertou suas mãos e sem saber ao certo o que fazer disse que iria ler as suas linhas. Ela parecia à vontade. Aquela poderia ser a última vez que a veria, não poderia perder aquela chance. Aproximou-se e tentou tocar-lhe os lábios com os seus. Ela desviou fazendo aquele charme típico das garotas difíceis.
- Acabei de sair de um lance sério sabe? Blá, blá, blá... – era o que ele escutava, pois seus olhos viam apenas sua boca e seus ouvidos ouviam apenas o doce som de sua voz ainda que não compreendesse os seus sentidos.
- Pensa menos...
Desta vez não recuou, aceitou o suave toque de seus lábios, trêmulos e gélidos de nervosismo. Nada mais lhe parecia impossível.
Hoje os amigos quando o encontram vão logo dizendo “Você está ótimo hein!”. E se dirigindo a sua flor - “Ele está muito melhor com você”, ao passo que o rapaz se adianta e responde com ar de total convicção. “Melhor com ela não. É ela quem me faz querer ser cada vez mais uma pessoa melhor”.